Marcia Evangelista da Silva Santos e Fábio Alves dos Santos

ENSINO-APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: ESTUDO DE CASO EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE BARRA DOS COQUEIROS-SE

 

Introdução

 

Este texto integra o projeto de pesquisa; “Alfabetização Histórica: em busca de um reposicionamento disciplinar diante das reformas curriculares.” Toma-se como ponto de partida a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como orientação para o currículo escolar, documento normativo divido em três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. É ela que norteia o   conjunto de aprendizagens e competências para o aluno desenvolver  em sua jornada na educação básica. 

 

Foi a partir deste cenário de introdução da BNCC que desenvolveu-se esta pesquisa com objetivo de analisar como está caminhando o processo de ensino-aprendizagem de alfabetização histórica por professores do Ensino Fundamental nos anos iniciais em algumas Escolas Municipais de Barra dos Coqueiros/SE. Questionou-se, ainda, quais os conceitos de alfabetização histórica ou letramento histórico que os docentes dominam e analisar as articulações que apresentam de acordo com o que discutem alguns teóricos que debatem o assunto na produção acadêmica.

 

O conhecimento histórico é descrito na BNCC, em um entendimento semelhante à literacia histórica (termo traduzido de literacy history, discutido por PETER LEE (2006, 2016), STAMATTO (2009), JÖRN RÜSEN (2015), sobre o ensino de História para os Anos Iniciais)  como:

 

“uma forma de pensar, entre várias; uma forma de indagar sobre as coisas do passado e do presente, de construir explicações, desvendar significados, compor e decompor interpretações, em movimento contínuo ao longo do tempo e do espaço”.(Brasil 2018, p.403)

 

Para (OAKSHOTT, 1983, p. 06): “Uma primeira exigência da literacia histórica é que os alunos entendam algo do que seja história, como um “compromisso de indagação”” (apud LEE, 2006, p. 134), outra característica que se aproxima à apresentada na BNCC (2018) ao afirmar “que considerações históricas não são cópias do passado, mas, todavia, podem ser avaliadas como respostas(...) do documento que elas explicam”.

 

Dessa forma, entende-se que o termo apresenta variantes que não alteram o seu significado,  como afirma STAMATTO(2009): “No Brasil o termo literacy pode ser traduzido como alfabetismo ou alfabetização” (STAMATTO 2009,P.5). A autora produziu uma análise de livros didáticos para o ensino de História em que objetiva identificar os significados e conceitos de alfabetização histórica nos livros didáticos para os anos iniciais de ensino.

 

É neste contexto de estimular uma Educação Histórica autônoma que segundo a BNCC:

“exige um reconhecimento das bases da epistemologia da História  a saber: a natureza compartilhada do sujeito e do objeto de conhecimento, o conceito de tempo histórico em seus diferentes ritmos e durações, a concepção de documento como suporte das relações sociais, as várias linguagens por meio das quais o ser humano se apropria do mundo. Enfim, percepções capazes de responder aos desafios da prática historiadora presente dentro e fora da sala de aula.” (BRASIL, 2018, p. 402)

 

Portanto, para construir este pensamento e contribuir com o arranjo destes processos é necessário compreender as formas de aquisição das afirmativas da História, assim como disse LEE (2006):

“A compreensão de como as afirmações históricas podem ser feitas, e das diferentes formas nas quais elas possam ser mantidas ou desafiadas, é uma condição necessária para a literacia histórica, mas não suficiente. Se os alunos que terminam a escola são capazes de usar o passado para ajudá-los a atribuir sentido ao presente e ao futuro, eles devem levar consigo alguma história substantiva” (LEE 2006, p.131-150.)

 

Todavia, é possível afirmar que este conhecimento não pode ser inativo, isolado. Ele deve fazer parte da vida cotidiana do aluno, promovendo um pensar crítico em suas relações sociais e com isto desenvolver interpretações de maneira prática e participativa.

 

Entender o letramento histórico é importante para o processo de ensino-aprendizagem de História nos Anos Iniciais porque, assim como defende LEE, é preciso superar a concepção de que a História é a sucessão de fatos passados que não tem relação nenhuma com o presente. Como enfatiza o autor, “ajudar os estudantes a abandonar a visão do presente como algo separado do passado por uma espécie de apartheid temporal”. (LEE, 2016, p.121)

 

Considerando a análise do conhecimento dos docentes que atuam nos Anos Iniciais da educação neste contexto de implementação da BNCC e desta base epistemológica do ensino de História, desenvolvemos este estudo com a intenção de identificar práticas e métodos utilizados no contexto da alfabetização histórica, bem como investigar a compreensão do docente e a base legal municipal e comparar com o que a produção acadêmica tem defendido sobre o tema.

 

Métodos desenvolvidos

 

Inicialmente foi feita uma consulta à Secretaria de Educação do Município de Barra dos Coqueiros com o intuito de investigar algumas informações. Neste contato foi liberado o mapeamento das Escolas do Município e a busca pelo currículo regente das instituições. Em resposta, a secretaria forneceu o link para acesso ao currículo do Estado de Sergipe, construído pouco após a homologação da BNCC e que segundo o documento possui “o propósito de mobilizar, engajar e fortalecer as relações institucionais, visando assegurar os direitos de aprendizagens das crianças, adolescentes e jovens, contemplando as 10(dez) competências gerais da BNCC”. Percebe-se, após leitura do currículo, o intuito de fomentar a inclusão da Base Nacional Comum Curricular no sistema de ensino educacional nas escolas municipais de todo o Estado.

 

O mapeamento fornecido abrange todas as escolas do município, do centro da cidade até a área de expansão. Ao todo, compõem a malha escolar do município 14 escolas. Após análise, foram selecionadas quatro escolas do centro da cidade, sob o entendimento que isto possibilitaria a composição de um grupo mais homogêneo para a análise.  Selecionamos escolas que atendem da Educação Infantil até o 5° ano do Ensino Fundamental: Escola Municipal João Cruz, Escola Municipal São Francisco de Assis, Escola Municipal de Ensino Fundamental Marili Moura de Lima e Escola Municipal Professora Maria Ligia Santos Moura. Todas elas funcionam manhã e tarde. Devido às medidas sanitárias necessárias ao combate à pandemia, as direções escolares repassaram para 14 professores polivalentes atuantes no ano letivo de 2020 o questionário on-line. Retornaram sete respostas de forma imediata e os outros ficaram em pendência. Embora não tenha sido a totalidade, este retorno contava com representantes de todas as quatro escolas selecionadas. Estes sete docentes que responderam ao questionário não apresentaram qualquer dúvida sobre a temática e nem problemas durante o envio das respostas na plataforma do google formulários.

 

O que apresentam as respostas?

 

Como citado, a BNCC para o ensino de História nos Anos Iniciais aponta para uma concepção de educação histórica epistemológica bem como a busca pelos teóricos que discutem a alfabetização histórica. Neste cenário e com o vínculo do atual currículo do Estado regente do Município de Barra dos Coqueiros, foi desenvolvido o questionário on-line da entrevista.

 

O primeiro propósito das questões foi identificar os recursos didáticos utilizados nas aulas de História. Sobre este aspecto, o livro didático é o recurso mais citado aparecendo quatro vezes nas respostas de diferentes docentes. O Segundo recurso mais citado foram imagens em atividades fotocopiadas e mídias digitais, ambos com duas citações. Há recursos que foram citados uma única vez: objetos (sem especificações), quadro branco e contos literários. O livro didático, apesar de não ser lembrado por todos os docentes, é o recurso em que é possível encontrar, ainda que de maneira limitada, o conceito de alfabetização histórica assim. Como dito por STAMATTO (2009):

 

“Observamos um número reduzido de obras que consideram em suas propostas teórico-metodológicas um conceito de alfabetização histórica, levando-se em consideração que as discussões sobre alfabetização e letramento acontecem no país há pelo menos vinte anos”. (STAMATTO 2009, P.7)

 

A segunda pergunta desta pesquisa foi sobre a utilização de mídias digitais para incentivar a pesquisa histórica, se utilizam e quais utilizam. Seis professores responderam que sim e apenas um que não. A mídia mais utilizada por eles é o vídeo, citado por todos que responderam positivamente, exemplificados como vídeo aulas e trechos de filmes. Os jogos digitais aparecem duas vezes, abrindo uma reflexão sobre o porque só estes dois recursos são citados como fonte de auxílio para o processo de desenvolvimento da alfabetização histórica.

 

A terceira questão tinha como precursor o currículo do Estado que é o atual documento regente das escolas municipais como citado antes nessa pesquisa. O currículo assume o compromisso de fortalecer a implementação da BNCC nas escolas, porém o documento enfatiza que:

 

“Espera-se que o conjunto de competências e habilidades expressas no componente curricular História afirme um compromisso ético de oferecer uma educação humana e integral, não limitada aos direitos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), apontando para a ampliação de direitos de cidadania, descentrando saberes e aproximando fazeres e que, portanto, promova uma educação livre, aberta, esclarecida, crítica, responsável, equânime, sustentável e generosa no contexto de democracia "(Currículo de Sergipe 2019, p.431)

 

Para identificar como é desenvolvida essa ampliação, a pergunta versou sobre como os professores abordam na sala de aula os seguintes temas: diferentes linguagens, contextos históricos específicos, empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, cooperação e o respeito. O uso da roda de conversa foi a estratégia mais recorrente, presente em quatro respostas de seis professores (um não respondeu). Exemplificam que fazem a utilização da roda de conversa para debater esses assuntos, expor opiniões e tentarem juntos a resolução de questões diversas. Um docente afirmou fazer uso algumas vezes do currículo oculto para trabalhar a empatia com todos os alunos, resposta pertinente já que como exposto é um assunto que está explícito dentro do documento curricular do estado de Sergipe:

“Elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação a documentos, interpretações e contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito”. (Currículo de Sergipe 2019, p.430)

 

Para a quarta pergunta, adentramos nos elementos práticos da disciplina que abordam a importância de não só conhecê-la mas de saber fazer uso da contribuição de sua estrutura para relacionar-se com o presente bem como diz (LEE, 2006, p.131-150) ”eles devem estar equipados com dois tipos de ferramentas: uma compreensão da disciplina de história e uma estrutura utilizável do passado”. Portanto, foi perguntado quais fatos ou fontes eles utilizam em maior número de vezes para explicar acontecimentos presentes durante as atividades com sua turma. As respostas foram:

 

1- Sim. As paisagens, modo de vida...

2- Sim. costumo em minha aulas de história fazer uma correlação entre o passado e o presente . Isso é trabalhado com os alunos através de pesquisas ou entrevista com os moradores mais antigos.

3- As formas de registro, as experiências da comunidade. O tempo como medida.

4- Dependendo do contexto sim. E os alunos gostam muito de remeter o passado observando o presente vivido.

5- Sim, emancipação política do município por exemplo.

6- Sim mostrando os tipos de brincadeiras e brinquedos do passado fazendo correlação com os de hoje

7- Sim, costumes, crenças, comportamentos familiares e tipos de moradias

 

As respostas correspondem de maneira satisfatória com o que foi citado anteriormente neste texto para o desenvolvimento de um pensar histórico, fazendo com que os alunos tenham interação com assuntos e desenvolvam o construir e desconstruir incentivando assim a pesquisa e análise de fatos e acontecimentos.

 

Analisamos na quinta pergunta se há algum tema referente a disciplina que apresenta alguma dificuldade para ser trabalhado em sala de aula. Apenas duas respostas afirmativas. Um primeiro professor cita a história local por não existir material didático disponível no município. A segunda resposta fez referência às fontes não escritas: pedra, cerâmica, objetos entre outros.

 

Sobre a possibilidade dos passeios ou visitas em áreas históricas do município, perguntamos no sexto quesito se era comum haver esse tipo de atividade, uma vez que a BNCC aponta “Identificar os patrimônios históricos e culturais de sua cidade ou região e discutir as razões culturais, sociais e políticas para que assim sejam considerados (Brasil 2018, p.413).”. Para identificar tais patrimônios seria interessante o uso da visita aos que são próximos dos alunos e que fazem parte do “eu” social em construção nesta fase de alfabetização. O indicativo é de que elas acontecem, porém não de maneira regular. Foram duas respostas afirmativas, duas negativas e três para às vezes.

 

As perguntas finais tiveram como foco identificar o conhecimento dos professores sobre o tema da alfabetização histórica. Deste modo, na sétima questão sondamos quais as denominações que aparecem no manual didático de história do professor. As opções foram: 1-alfabetização que obteve 6 marcações; 2-letramento com 5 marcações; 3-competência leitora constando 3 marcações; 4-alfabetização histórica e 5-educação história com apenas uma selecionada em cada. A nona pergunta, ainda abrangendo sobre a conceituação, visava saber se eles têm conhecimento do termo literacia/alfabetização histórica. Sobre este ponto, quatro respostas foram negativas, duas respostas afirmativas e uma resposta pessoal: “consiste em o aluno não só conhecer o que está escrito sobre a nossa história e sim em entender o que realmente aconteceu”.

 

A décima, e última questão, consistia em escrever qual a concepção de literacia histórica caso a resposta da nona fosse afirmativa. Com base no retorno do quesito anterior, houve três respostas: a primeira deu o significado da palavra literacia de forma isolada; a segunda respondeu que é o desenvolvimento linguístico, a empatia e a socialização; e na terceira resposta foi escrito que é quando a criança é alfabetizada em história.

 

Portanto, percebe-se que existe um déficit sobre a conceitualização dos termos para a educação histórica, pouco presente no material didático ou na formação continuada. Os que tentaram responder indicam que a compreensão é confusa ou desmembrada dos termos iniciais.

 

 Considerações finais

 

Este texto buscou identificar e analisar as práticas docentes para o ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental nas escolas municipais de Barra dos Coqueiros por meio da entrevista realizada utilizando questionário on-line. Foi possível identificar a compreensão sobre o conceito de alfabetização histórica que professores polivalentes em atividade possuem e comparar com o que a produção acadêmica tem defendido.

 

É possível identificar que apesar de ter o conhecimento de vários métodos que correspondem de forma plena o que pede a BNCC e o currículo do Estado de Sergipe para o ensino da disciplina, os docentes apresentam pouco conhecimento do conceito de alfabetização histórica em seu estado da arte.

 

Como perspectivas de estudos futuros, a identificação da falta dos recursos tecnológicos atuais para o ensino de história nos Anos Iniciais, abriu o interesse para um novo trabalho de investigação sobre o que está sendo apresentado no ambiente acadêmico para apresentar estes recursos.

 

Referências biográficas

 

Dr. Fábio Alves Dos Santos, professor do departamento de Educação e do Mestrado profissional em Ensino de História, Universidade Federal de Sergipe.

 

Marcia Evangelista da Silva Santos, estudante do curso de Pedagogia na Universidade Federal de Sergipe, Universidade Federal de Sergipe.

 

Referências bibliográficas

 

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.

 

LEE, Peter. Em direção a um conceito de literacia histórica. Educar em Revista, Curitiba, Especial, p. 131-150, 2006

 

LEE, Peter. Literacia histórica e história transformativa. Educar em Revista, Curitiba, n. 60, p. 107-146, 2016.

 

RÜSEN, Jörn. TEORIA DA HISTÓRIA: Uma teoria da história como ciência. 1. ed. rev. Curitiba: UFPR, 2015. 324 p. v. 1. ISBN 978-85-8480-004-9.

 

SERGIPE. Currículo de Sergipe: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Regulamentado no Sistema Estadual de Ensino por meio do Parecer nº 388/2018/CEE e da Resolução nº 04/2018/CEE. Aracaju: Câmara Municipal, 28 dez. 2018a. Disponível em: https://www.seed.se.gov.br/arquivos/CURRICULO.DE.SERGIPE.v.02-Regulamentado.pdf. Acesso em: 28  abril. 2021.

 

STAMATTO, Maria Inês Sucupira. Alfabetização Histórica em materiais didáticos: significados e usos. In: Anais do XXV Simpósio Nacional De História, 2009, Fortaleza.

3 comentários:

  1. Olá Fábio e Marcia, Obrigado pela ótima pesquisa e reflexão! Em algumas pesquisas que desenvolvemos também percebemos um quadro semelhante entre professores! Ideias difusas sobre alfabetização histórica, onde as praticas e experiências individuais se sobrepõem a uma qualificação técnica ou reflexiva sobre as práticas de ensino! Pergunto, vocês propuseram alguma intervenção resolutiva com os professores a fim de que eles percebam sua condição e melhor qualifiquem seu trabalho? ABCS

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    1. Olá Everton Crema, o objetivo principal do trabalho que fizemos é a sondagem das práticas pedagógicas e verificar o conhecimento conceitual acerca da alfabetização histórica, assim a intervenção resolutiva não foi proposta pois antes era preciso identificar qual o nível de dificuldade ou a falta de conhecimento sobre o tema que os docentes apresentariam.

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    2. Entendo! Obrigado! Grande abraço!

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