Jessica Caroline de Oliveira

 ENTRE CONCEITOS, CURRÍCULOS E POSSIBILIDADES: PERSPECTIVAS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM HISTÓRICA NO PARANÁ

 

Aprender sobre a História pode encantar e interessar estudantes a buscar por discussões mais amplas acerca de si, dos grupos que compõe, sociedades distantes cultural, temporal e geograficamente, como também, desmotivar a leituras e debates realizados em sala de aula. A conduta docente, os objetivos de aprendizagem e a didática tendem a definir os rumos e resultados do processo de ensino na realidade de noss@s alun@s. Realidade que, por vezes, parece tão pronta e acabada, mas ao olhar para a História, ao pensar no quanto ‘tudo’ se modificou e continua se transformando, percebemos que somos um ‘grãozinho de areia’ de um contexto histórico – fruto e reflexo do mesmo.

 

Mas, o que é história? Existe finalidade para a disciplina de história? É possível ensiná-la de forma motivadora? Acredito que se não conhecesse referenciais e debates teóricos, responderia que a História se trata do estudo sobre o passado e autoconhecimento humano, pois essa era a minha perspectiva no início da graduação em 2011. Hoje, dez anos depois, reconheço a História como uma das ciências humanas, legitimada pelas suas produções cientificamente conduzidas, com métodos, conceitos e anseios moldados conforme o lugar social de quem os materializou. Pautada na dialética temporal, tem como finalidade a produção do conhecimento, orientação e experiência na vida prática. Dito isso, é possível concordar com Cainelli (2010, p. 18) quando a autora descreve que:

 

“a história é a arte de aprender que o que é nem sempre foi, que o que não existe pôde alguma vez existir; que o novo não o é forçosamente e que, ao contrário, o que consideramos por vezes eterno é muito recente. Esta noção permite situarmonos no tempo, relativizar o acontecimento, descobrir as linhas de continuidade e identificar as rupturas.” (WINOCK apud MATTOZZI, 1998, p. 26)

 

Esta citação impele a pensar que esse “ser” (hoje) e o que “foi” (passado) se transformam e dialogam com perspectivas futuras. Isso rompe com qualquer ideia ou representação de um ‘tempo’ ou da História estática, além, é claro, de permitir a reflexão acerca das possibilidades de mudanças – o que é esperançoso para contextos como o que vivemos. Essa concepção é parte do legado historiográfico, suas tensões e lutas pela escrita e contextualização da humanidade ao longo do tempo, cuja tessitura narrativa legou conceitos e noções como “rupturas” e “continuidades” que, gradativamente, foram construídas a partir da crítica e reformulação das balizas teóricas e metodológicas que cada corrente historiográfica orquestrou.

 

Para pensar nessa (re)escrita da história, podemos utilizar como exemplo os vieses da corrente metódica, também conhecida como positivista que, mesmo conferindo à História o status de ciência, limitava-se a cópia exaustiva dos documentos e a narrativa dos fatos tal como eles aconteceram. Barros (2011) afirma que o positivismo era puramente objetivo e descritivo. O documento era considerado um monumento, sem interpretações e questionamentos. Pautado na ideia de uma história universal, grandes personagens, gloriosos momentos políticos e pautado em um modelo único de escrita para todas as histórias da humanidade, ou melhor, para a “grande e única história”. Mesmo que esse modelo historiográfico seja considerado como ‘superado’, ainda hoje, com novas formas de entendimento e percepção histórica, não é incomum que esta forma de se pensar a história seja empregada na sala de aula, em que datas, nomes e grandes eventos são linearmente ensinados e conferindo aos elementos culturais o caráter de “anexo” à aprendizagem. Nesta perspectiva, a citação abaixo reflete claramente a minha oposição ao modelo supracitado de historiografia e de ensino de história, pois me faz (re)pensar no público que me dirijo e crio estratégias didáticas para aproximar conteúdos e conceitos da vida e experiência prática.

 

“Eu sou um homem invisível. Não, eu não sou um fantasma como aqueles que perseguiam Edgar Allan Poe; tampouco sou um ectoplasma do cinema de Hollywood. Sou um homem de substância, de carne e osso, de fibra e líquidos – e pode-se dizer que possuo até mesmo uma alma. Eu sou invisível, entendem, simplesmente porque as pessoas se recusam a ver-me.” (VOGT e FRY, 1996, p. 15)

 

As palavras acima me fazem pensar em como inserir estudantes na aprendizagem histórica. Isto é, desconexos? Sem sentido ou sentimento de pertencimento? Sem diálogo entre suas experiências e contextos mais amplos? Não! Eu quero um aprendizado histórico que @s torne competentes para situar-se na realidade, na tomada de decisões, na esperança, na compreensão de seus direitos, nas possibilidades de lutas sociais, entre tantas outras premissas e caminhos que o ensino de história pode operar. Pensando nesses princípios, concordo com a autora Cainelli (2010) quando ela descreve que a seleção dos conteúdos a serem ministrados, a organização das aulas, a construção dos materiais didáticos e currículos escolares são frutos da linha historiográfica que os produz, pois, “cada sociedade marca e reproduz passados ancorados na história que os contam” (CAINELLI, 2010, p. 19). Se cada contexto é arraigado com características que lhes são inerentes ao ensino, como estas dinâmicas tem sido empregadas no Estado do Paraná?

 

Para fazer uma pequena reflexão sobre a educação e demonstrar que não houve uma forma única de se ensinar a história aqui no Estado em que atuo como professora, optei por utilizar a autora Schmidt (2009), a qual me possibilitou compreender como a História foi ensinada, entendida e destinada à educação no período de 1917 a 2004. Para tanto, a autora realizou uma pesquisa em manuais de Didática da História publicados no Brasil neste recorte temporal, demonstrando de forma clara e objetiva o embate entre os discursos da aprendizagem tradicional e a aprendizagem crítica do ensino de História. Nesta acepção, ela critica o método tradicional de ensino por desenvolver uma aprendizagem exaustiva, com técnica de memorização de heróis e grandes eventos, além da dissocialização da História com o presente, por isso abordei o positivismo no começo do texto, pois ele orientou as bases de ensino no Brasil, o que resultou em uma aprendizagem que pouco se aproximada da interpretação e orientação com a experiência prática do alunado. Por isso, compactuo com a opinião da autora de que é necessária uma investigação dos fatos, proporcionar vida ao passado e buscar lógica no conhecimento histórico.

 

O método de ensino deve ser mais que uma mera aquisição passiva de conhecimento, aprender História não é conhecer apenas os fatos, todavia, adquirir e desenvolver ideias e atitudes positivas perante a sociedade. Neste sentido, é preciso aprender conceitos que auxiliam na orientação da realidade, entre eles, o de continuidade e unidade da experiência humana, dinamismo e evolucionismo da organização social, a dependência do presente em relação ao passado e a responsabilidade com o futuro, relação entre sujeito e sociedade, diferenças étnicas e alteridade. Sendo assim, aprender História é aprender a pensar, refletir e significar a si mesm@, a sua realidade e ao outro.

 

No tocante aos modelos didáticos de história, Schmidt (2009) conta que na década de 1960 havia a preocupação em relacionar os conceitos históricos com a cognição d@s alun@s. Deste modo, os materiais didáticos estavam focados na cronologia política e memorização incoerente, sem ligação com o presente, curiosidade ou estimulo à vontade em aprender. No período da Ditadura Militar, substituiu-se o Ensino de História na Escola Fundamental e desenvolveu-se uma aprendizagem em etapas, cujo objetivo era ajustar @ alun@ a aprender, viver e conviver com uma história nacional, ética e cívica, pois a história pautava-se muito mais em exaltar os feitos políticos do que possibilitar qualquer tipo reflexão crítica. Cabe ressaltar que a construção dos materiais didáticos também é regulada pelo Estado, o qual norteia as dinâmicas de ensino e compõe o currículo escolar, tal como os Parâmetros Curriculares Nacionais que, a partir da década de 1990, passou a orientar o ensino de História a partir de novas finalidades, conteúdos e metodologias, conforme podemos observar nos seus pressupostos abaixo:

 

“O ensino de História possui objetivos específicos, sendo um dos mais relevantes o que se relaciona à constituição da noção de identidade. Assim, é primordial que o ensino de História estabeleça relações entre identidades individuais, sociais e coletivas, entre as quais as que se constituem como nacionais. [...] Dentro dessa perspectiva, o ensino de História tende a desempenhar um papel mais relevante na formação da cidadania, envolvendo a reflexão sobre a atuação do indivíduo em suas relações pessoais com o grupo de convívio, suas afetividades e sua participação no coletivo.” (BRASIL, 1998, p. 26)

 

Esse documento foi adotado no Paraná até o ano de 2002, visto que, no ano seguinte, iniciou-se uma mobilização do corpo docente para debater o ensino paranaense a partir de suas próprias realidades, necessidades e reflexões sobre as demandas educacionais. Entre as críticas que os profissionais da educação no Paraná elencaram aos PCNs, há a forma como a disciplina de história foi reduzida à uma função pragmática, limitada a resolver problemas imediatos e vivência para o exercício da cidadania.  Nesta acepção, o Paraná rompeu com este paradigma de ensino e formulou, junto com professor@s e pensador@s da área da educação, uma Diretriz que respondesse as suas experiências de ensino. Fruto destes debates, surge as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná.

 

Na “Carta da Secretária da Educação” anexada nas DCE-PR, arrolam-se as justificativas por essa nova orientação pedagógica, o que colocou docentes nas discussões teórico-metodológicas e auxiliou na elaboração dessa nova perspectiva educacional, afinal, são el@s que sentem, conhecem e podem melhor responder as práticas, conceitos e métodos que sustentam e as carências que demais formas de ensino não davam conta de abarcar. Vale destacar, que as DCE-PR incluíram o ensino de história regional/local, o que foi uma renovação para o ensino e uma perspectiva de autoconhecimento para estudantes sobre suas realidades próximas, o qual buscava conectar o local com o global. Esse foi um ganho significativo para as bases educacionais, afinal, o ensino de história local era estruturado por uma vertente de ensino que não se preocupava com as especificidades do ‘regional’, mas sim, com a homogeneidade desse local; como se a história dos grandes centros urbanos correspondesse a uma história ‘única’ do Paraná. Para tanto, passou-se a fazer uso da história regional como uma ferramenta que permitisse o alunado a se integrar ao processo histórico, dialogando com as histórias mais amplas e com sua própria realidade.

 

Schmidt (2009) também tece críticas aos PCNs ao questionar a forma como a concepção de aprendizagem foi diferenciada e afastada do conhecimento científico, a maneira como esse modelo buscava “orientar” o ensino e o uso cronológico do “tempo”. Para esclarecer o “porquê” das críticas de Schmidt (2009), inicialmente pode-se pensar na competência de cognição histórica, caracterizada por uma nova demanda cognitiva, com novos significados para a aprendizagem escolar, que vai além de uma mera transposição de conteúdo. Essa forma de aprendizagem histórica parte da consciência humana, associa-se à dialética do tempo, tornando-se apta para significar, adquirir experiência e competências práticas. Pautando-se na teoria do historiador e educador Jörn Rüsen, a autora fala que os objetivos da cognição histórica se baseiam em desenvolver a experiência, a orientação e a interpretação histórica. Dessa forma, Schmidt (2009, p. 37) afirma que aprender História é “narrar o passado a partir da vida no presente”, construir uma identidade para o sujeito, organizar sua atuação nas lutas e ações no presente, tanto individuais quanto coletivas. Outro elemento por ela atribuído ao ensino de História é o diálogo do saber escolar com o conhecimento científico, com o qual, partindo da aprendizagem autônoma e dos saberes prévios, formar-se-ia o conhecimento crítico e se ensinaria a pensar historicamente.

 

Sendo assim, a história é eficaz na prática e na formação do conhecimento, pois engloba um conjunto de competências para orientar a práxis. Rüsen (2007) descreve como competência narrativa a capacidade de construir sentido histórico, orientação e interpretação do mundo e de si. Nesta acepção, entendo que a história não se faz isolada; é preciso interagir com o mundo, com a realidade, com a sociedade e pensar na história sob a perspectiva de integrar à tod@s no processo de formação de saber histórico. Acerca dessa formação histórica, pode-se entender que trata-se da capacidade de (re)orientar-se continuadamente, a cada nova experiência, elevando a capacidade de consciência histórica. Além disso, o autor destaca que não se pode pensar em um processo histórico sem que o sujeito reflita e transponha-se para dentro do mesmo, caso contrário, se resumirá à um mero “passar conteúdo”.

 

De acordo com Rüsen (2007), aprender é algo dinâmico e passível de mudanças. Esse processo de aprendizagem, apropriação da experiência histórica e da autoafirmação decorre de três operações: a experiência, interpretação e orientação, ambas interligadas e anteriormente citadas, porém, cabe nesse momento descrever o que compete a essas operações. A experiência histórica, diz respeito a experiência da diferença e da mudança no tempo, essa competência consiste em experiências conscientes, pela busca por um conteúdo empírico que parte do próprio sujeito e da sua curiosidade prática. Em relação a competência interpretativa, o autor salienta que é resultado do aprendizado histórico, ou seja, o aumento da experiência e do saber que se transformam numa mudança nas formas de interpretação. Essa competência possibilita também, que a experiência e organização do saber se tornem conscientemente mais flexíveis e argumentativamente utilizáveis, problematizando e modificando os antigos modelos de interpretação. Por fim, a competência de orientação está associada à função prática das experiências históricas, interpretativas, uso dos saberes prévios que passam a orientar a vida prática.

 

Logo, pode-se considerar que se a história está intimamente ligada ao sujeito, o ensino de história deve buscar atender e mediar esta dinâmica. Partindo desta perspectiva, os autores Fochezatto e Conceição (2012) discutem algumas considerações sobre a educação problematizadora de Freire, o que possibilita uma reflexão crítica e relevante sobre o ensino de história, a preocupação com a aprendizagem e a importância de liberdade da consciência humana. Nesta acepção, essa liberdade promoveria condições para que os indivíduos (homens e mulheres) se entendessem como sujeitos históricos, atuando e transformando suas realidades. A relação com a prática é fundamental para orientar as pessoas que elas não só estão no mundo, mas participam dele. Portanto, a educação é essencial, todavia, quando pautada em modelos de ensino que tem por intuito a formação de uma consciência crítica e esclarecida para defrontar e situar-se no presente. Para os autores, Freire questiona a educação por ele denominada como bancária ou domesticadora, afirmando que “esta falsa concepção de educação, que se baseia no depósito de informes nos educandos, constitui, no fundo, um obstáculo à transformação. Por isto mesmo, é uma concepção anti-histórica de educação”. (FOCHEZATTO e CONCEIÇÃO, 2012, p. 4)

 

O ensino de história, ou mesmo das demais disciplinas não é um simples desfile de dados prontos e acabados. Professor@s não são detentor@s da verdade, o conteúdo não se resume à linhas sucessivas de acontecimentos importantes, @s alun@s não devem ser entendid@s como um arquivo humano, ou depósito de informações. A educação deve ser problematizadora, partindo da realidade da sala de aula, questionando o presente e dialogando com o passado. A práxis é reflexão e ação transformadora, fonte de conhecimento. Além disso, tanto a história quanto a humanidade são processos inacabados, inconclusos, mas partem um do outro na formação de conhecimento e orientação prática. 

 

Para Schmidt (2009), a composição do saber histórico deve pautar-se também no conhecimento científico, todavia, esse “científico” deve ser selecionado e elaborado de maneira a servir ao aluno e a estimular sua reflexão. O saber histórico não se dá de forma cronológica, e sim, da dialética entre passado e presente, individual e coletivo, sendo atribuído sentido e significado, e não algo dissociado da realidade estudantil. Os conteúdos de história devem articular-se com os objetivos de ensino, fomentando a possibilidade de adquirir raciocínio lógico em relação as experiências prévias. Possibilitar a criança aprender a discutir, investigar, levantar hipóteses, narrar, dialogar com o passado e suas representações, olhar para o outro em seus contextos e temporalidades diversas, expandindo a sua experiência conforme compreende a experiência alheia. A autora descreve que para ensinar história é preciso fazer recortes dos acontecimentos, a fim de inserir o corpo discente, a sociedade ou o público o qual se destina, demonstrando a dialética da ruptura e da permanência.

 

Pensando em como selecionar e organizar um currículo escolar, utilizei das DCE-PR tanto para conhecer os modelos de currículos que ela apresenta, quanto para perceber através das suas críticas, qual o “ideal” para o ensino de história. Nesta acepção, o primeiro currículo que ela aborda é o “currículo vinculado ao academicismo e ao cientificismo”, em que “a disciplina escolar é vista como decorrente da ciência e da aplicabilidade do método científico como um método de ensino” (PARANÁ, 2008, p. 9), ou seja, trata a disciplina escolar como uma ramificação do saber especializado, enfraquecendo a perspectiva crítica da educação e fragmentando o conhecimento. Arrola-se também, sobre o papel do “currículo vinculado às subjetividades e experiências vividas pelo aluno”, no qual, limita-se ao papel socializador, dando ênfase aos processos psicológicos do discente e secundarizando interesses sociais e os conhecimentos específicos, noutras palavras, o aluno aprende o quê e quando quer. Por fim, apresenta-se o “currículo vinculado às teorias críticas que atuam como configuradoras da prática”, elaborado por profissionais da educação e fomenta bases críticas e organização disciplinar, preocupando-se com o pensar e refletir do aluno, conciliando conteúdo e prática, este é o modelo utilizado pelas DCE-PR, que destacam também, a relevância do professor como autor do seu plano de ensino, participando da construção curricular, fundamentando e organizando o seu trabalho pedagógico a partir dos conteúdos estruturantes da sua disciplina.

 

“Entende-se por conteúdos estruturantes os conhecimentos de grande amplitude, conceitos, teorias ou práticas, que identificam e organizam os campos de estudos de uma disciplina escolar, considerados fundamentais para a compreensão de seu objeto de estudo/ensino. Esses conteúdos são selecionados a partir de uma análise histórica da ciência de referência (quando for o caso) e da disciplina escolar, sendo trazidos para a escola para serem socializados, apropriados pelos alunos, por meio das metodologias críticas de ensino-aprendizagem.” (PARANÁ, 2008, p. 25)

 

As diretrizes dividem esses Conteúdos Estruturantes em três eixos de abordagem: as relações de trabalho, relações de poder e relações culturais. Além disso, o documento (PARANÁ, 2008, p. 64) salienta a “concepção materialista histórica dialética”, sustentada por perspectivas historiográficas da Nova Esquerda Inglesa, tais como Eric John Ernest Hobsbawm, que apresenta a ideia de trabalho como uma condição aberta a relações diversas, que ampliam a concepção do modo de produção. Ou seja, o indivíduo não é fechado ou alienado ao trabalho, ele age e constrói relações a partir dele. O historiador Edward Palmer Thompson, também utilizado como teórico referencial das DCE-PR, ressalta o resgate da história dos trabalhadores e propõe o conceito de experiência história. Este autor possibilitou olhar a história através de um revisionismo, seja pela premissa da história vista “de baixo”, dos “excluídos” da história, como também, pelo viés do cotidiano ou de uma economia moral.

 

A seleção destes conteúdos é marcada por sentidos políticos, no qual, considera-se o que é mais ou menos importante para o ensino e que pode estar incluído ou não na ementa curricular. Os conteúdos são organizados por séries, compondo assuntos que apresentem função no movimento histórico e atuais relações sociais, sendo articulados com teorias e metodologias, associando-se às necessidades de cada escola ou turma. Além disso, deve-se ter o cuidado para não empobrecer o conhecimento em virtude da ausência de contextualização dos processos históricos, afinal, é preciso orientar sobre o tempo e o espaço que cada acontecimento faz parte, contextualizando-o de forma a não criar anacronismos históricos.

 

Para refletir sobre a ideia de “anacronismo”, deve-se entender que olhar para o passado e significar o presente, não possibilita julgar ou questionar esse mesmo passado por critérios e noções que são próprias da atualidade. É importante ter discernimento sobre a ideia de “tempo” e saber levar para a sala de aula a forma como esse conceito representa a noção de passado, sendo esse passado tão múltiplo quanto as sociedades, atuações e contextos que existiram e hoje temos a oportunidade de conhecer. A autora Oliveira (2010) destaca que pensar sobre o tempo na História é um exercício, é romper com concepções ancoradas em nossa vida diária, descristalizar a ideia de que ele é e sempre foi tal como o conhecemos, compreender que as escritas da história foram elaboradas por homens e mulheres de diferentes épocas, a partir das suas realidades e necessidades.

 

Se ao historiador e a historiadora a categoria de tempo é fundamental para nortear sua pesquisa e produzir conhecimento histórico, através dos recortes que lhe são pertinentes, na sala de aula, este princípio é fundamental para perceber e situar historicamente como o conhecimento foi construído e chegou à nós como um legado. Entretanto, o tempo deve nos servir para possibilitar a orientação, interpretação e construção de saber histórico, não se limitando a cronologias e linhas do tempo, como se todos os espaços possuíssem a mesma definição temporal, ou ainda, resumir o ensino de história à marcos importantes e de grandes personalidades. À docentes de história cabe selecionar os referenciais teóricos que irão fundamentar o debate na sala de aula, a fim de promover o pensamento e a reflexão, recortando os processos históricos de forma adequada e cuidando para que a ideia de história e passado não sejam entendidos como sinônimos, apesar da conexão entre um e outro. Neste sentido, Oliveira (2010) afirma que ensinar a pensar historicamente constitui a competência de transitar de uma forma de argumentar para outra, relacionando a experiência humana com a vida prática.

 

Referências biográficas

 

Jessica Caroline de Oliveira. Doutoranda em História. Licenciada em História pela Universidade Estadual do Paraná, campus de União da Vitória. Possui Especialização em Cultura Afro-brasileira pela Universidade Cândido Mendes e em História, Arte e Cultura pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também possui Mestrado em História, Cultura e Identidades. Atualmente, é aluna de doutorado em História, Poder e Práticas Socais na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Marechal Cândido Rondon. 

 

 

Referências bibliográficas

 

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CAIMI, F. E. O estágio de docência como práxis formadora. In: PADRÓS, H. S. (org). Ensino de História: formação de professores e cotidiano escolar. Porto Alegre: EST, 2002.

 

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FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1981.

 

FOCHEZATTO, A.; CONCEIÇÃO, G. H. da. A proposta da educação problematizadora no pensamento Paulo Freire. IX ANPED SUL Seminário de Pesquisa em Educação da região sul, 2012.

 

MATOZZI, I. Didática da História e Educação para o patrimônio. Revista Nova Escola, Edição 263, jun./jul., 1998.

 

OLIVEIRA, S. R. F. Os tempos que a história tem... In: História: ensino fundamental/Coordenação Oliveira, M. M. D. de. - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. 212 p.: il. (Coleção Explorando o Ensino; v. 21)

 

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VOGT, C.; FRY, P. Cafundó: a África no Brasil. Editora: Unicamp, Campinas, 1996.

5 comentários:

  1. Felicitaciones por el texto. El dominio del método histórico es fundamental para desarrollar experiencias educativas que den cuenta de la complejidad que implica el análisis temporal. Sin embargo la construcción de sentido, la cual es clave en los postulados de Rüsen, según este autor va más allá de la dimensión cognitiva. Según su opinión ¿Qué debe tener en cuenta el profesorado para que en sus clases se alcance a desarrollar un vínculo orgánico entre lo cognitivo, lo ético, lo político y lo estético? ¿Dichas conexiones son posibles desde las lógicas que determinan el currículo oficial? ¿Por qué?

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    1. Olá, grata pela leitura do texto e pelas questões.
      Acredito que o Currículo Oficial fornece um panorama acerca das demandas de ensino-aprendizagem e os valores que consideramos pertinentes e indissociáveis das relações humanas cabem às práxis docentes; suas escolhas, ideias e sentidos de educação histórica.
      Em linhas gerais, de forma prática, penso que cada docente deve ter clareza acerca do seu papel enquanto educador@. Se el@ não compreende a dimensão das suas possibilidades, não há currículo, ideais ou concepções de ensino e de História que permitam o desenvolvimento do vínculo por você supracitado.
      Espero ter respondido suas questões.
      Abraços.

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  2. Olá Jessica! Sabemos que a história regional e local são a história que mais proveito, relação e categorização com a vida pratica de nossos alunos podemos estabelecer! Não só nas graduações, mas na falta de material didático especifico vemos a distancia e descuido com uma história da gente! Como podemos mudar isso melhorando significativamente o ensino, principalmente nas séries iniciais! ABCS

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    1. Olá, obrigada pela leitura e participação.
      Para ser sincera, acredito que precisamos colocar a mão na massa e realizar os materiais didáticos a partir de cada escola/realidade (aqui pensando o grupo escolar). Isto é, vejo muitas críticas quanto a semanas pedagógicas ou cursos de aperfeiçoamento que ficam apenas na teoria e nada ou pouco contribui com a prática. Além disso, quando se trata de atividades de História Local ou Regional, nós, da área da História somos convidad@s para suprir as carências, indagad@s de como ou onde conseguir os materiais e, mesmo quando nos colocamos a disposição, não há contrapartida.
      Neste sentido, acredito que cada escola deveria pensar a sua realidade, convidar a comunidade para contar as suas Histórias, colocar estudantes para pesquisar, entrevistar e tornar esse processo algo dinâmico.
      Não sei se respondi sua resposta de forma clara, mas é o que eu penso e tenho observado.
      Att.
      Jessica

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